domingo, 28 de dezembro de 2008

Quero chegar àquele ponto em que certas coisas deixam de importar. Quero saber como isso é.

Quero dizer as coisas que nunca fui capaz de dizer.

Quero deixar tudo o que está para trás para trás e fazer com que tudo possa ser uma possibilidade.

Quero que não haja causas perdidas.

Quero uma conspiração de nódoas negras e arranhões que não deixarão marcas quando passarem.
Quero que passem.

Quero os quilómetros encriptados e ainda por rasgar do tecido da tua pele.

Quero com a veemência de quem acredita no canibalismo e derrama filosofias de felicidade em lágrimas.

Quero que não morras pelos meus pecados.

Quero dizer que acho que cometi muitos erros mas que nem sei por onde começar.

Quero dizer-te que não sou nada daquilo que pensas, apagar o que foi escrito a giz e sacudir as mãos.

Quero que me digas outra vez que também tens de confiar em mim.

Quero que me imobilizes os braços (mas eu tenho todo o resto do corpo) e quero não ter nada a declarar.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

1) És homem ou mulher? A Hopeless Attempt
2) Descreve-te: I'm Normal Please Date Me
3) O que as pessoas acham de ti? Snowflake
4) Como descreves o teu último relacionamento: Four Walls
5) Descreve o estado actual da tua relação: In Parentheses
6) Onde querias estar agora? Inch Away From Heaven
7) O que pensas a respeito do amor? So Schizo
8) Como é a tua vida? Lightblinde
9) O que pedirias se pudesses ter só um desejo? Keep Me In Your Pocket
10) Escreve uma frase sábia: Cut The Cord

domingo, 14 de dezembro de 2008

Vi isto em blog alheio e achei piada.
A ideia é escolher uma banda/cantor(a) e responder às seguintes perguntas com títulos de canções do artista eleito. Peguem nas Charlottes e Devendras e entreguem-se ao ócio!

1) És homem ou mulher? Universe
2) Descreve-te: Everything By The Gallon
3) O que as pessoas acham de ti? Hopeful Hearts
4) Como descreves o teu último relacionamento: Weight
5) Descreve o estado actual da tua relação: Somebody's Arms
6) Onde querias estar agora? Out In The Park
7) O que pensas a respeito do amor? Euphoria
8) Como é a tua vida? Drastic Measures
9) O que pedirias se pudesses ter só um desejo? Bank Accounts
10) Escreve uma frase sábia: Wake Up

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

«Lendo e relendo Wilde ao longo dos anos, noto um facto que os seus panegiristas não parecem sequer ter percebido: o facto comprovável e elementar de que Wilde, quase sempre, tem razão.»

Jorge Luís Borges

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

A única coisa que me assusta realmente é não saber o que quero.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

If:
Hardships = Lessons
Then:
I dissect and question and weigh myself to pieces
For:
The sooner I figure out what I am supposed to be learning - what I am meant to learn -
The sooner I will act accordingly and
The sooner it will end.
But:
Is that really how it works?

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Continuava a nevar. Não se lembrava sequer da última vez que tivera uma trégua, uma pausa para respirar. Já há muito que pouco via das janelas e a espessura da muralha que se começava a formar lá fora em breve faria com que deixasse de sentir os pequenos tremores debaixo dos seus pés, as subtis vibrações do tempo que passava e passava.
O tempo que passava e passava, repetiu ela com um sarcasmo que deixara de lhe ser característico. Podia ainda contabilizar os dias, as semanas, os meses… os anos que se acumulavam no parapeito da janela, onde outrora costumava pousar os braços? Sem ter onde os pousar por mais que continuasse a olhar em volta, sem ter a que mais dar ouvidos agora que o silêncio lhe levara a voz como uma onda, com que mais se desiludir agora que deixarara de caminhar, agarrou subitamente no casaco, no cachecol, no gorro e nas luvas e correu lá para fora.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

- Acho que me fazes sentir…
… ligeiramente inebriada.

Noventa segundos. Noventa segundos era o tempo que ia deixar que o cérebro lhe inundasse o corpo com aquela trepidação suave e tépida por debaixo da pele. Noventa segundos. Depois endireitar-se-ia, sorriria não sem um leve e translúcido comprometimento e diria, colando a palma da sua mão à dele:

- Sou demasiado pequena para ti.
Escorregar-te-ia por entre os dedos.

Como os grãos de açúcar que tiveste esperança de virem a tornar-me mais doce.

Mas por enquanto não havia como não se render a cada pulsar de energia compulsiva, a cada reacção, substância química que fluía e se diluía em si, como um todo, como um salteador chegando pela primeira vez a um território incógnito - mapeando cada canto, cada linha do horizonte, cada beco sem saída.

Apesar de as ideias andarem inauditas, inéditas, vagueando pela sua mente, como uma dança

- Sabes que um dia vou sair por aquela porta
e nunca mais voltar, não sabes?,

sabia que ainda não tinha chegado a altura de as dominar, de fazer com elas aquilo que tinha de ser feito. Noventa segundos. Noventa segundos e aí podia escolher, podia escolher se queria continuar a sentir-se assim, naquela entrega total às suas marés, ou se ergueria a barragem.

- Podes dizer-me agora
tudo aquilo que vou ter de esquecer. [...]

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Amarrava com firmeza as joelheiras à volta das dores. Apertava bem, quase até cortar a circulação das suas pernas espinafradas. Suspirou com enfado e para preencher o silêncio da casa vazia. Dirigiu o olhar para a mesa desarrumada e para os papéis rasgados meticulosamente sobre ela pousados em forma de puzzle mental. O joelho do lado direito rangeu longamente e fê-la deslocar-se para o assento mais próximo. Acontece que era um sofá aveludado e propício a posições descontraídas do corpo. Atirou o corpo com mestria para cima das almofadas bem cuidadas do sofá. Soltou o segundo suspiro do dia e ali ficou. Como se tornara neste poço de osteoporoses radiografáveis? Só lhe vinham à cabeça tiradas de romances da Jane Austen. Por momentos, era Emma. Sacudiu os cabelos mal pintados e tentou aplicar-se um estalo dramático. A mão falhou por 2 mm. Não havia por que insistir, simplesmente não tinha estofo de heroína. Esse era o cerne do seu erro. Crer em algo que nunca fora. Girou vários pensamentos entre as mãos e decidiu-se pelas lembranças. Lembranças das quedas desastradas no chão de tacos da sua casa de toda vida. Tentara alcatifá-la para minorar as suas dores e consequências, mas essa medida só levou a um nível de cotão aumentado que se acumulava entre as ligaduras que trocava todos os dias. Ainda recordava a primeira, a que resultara numa mancha violácea que só à força de muito hirodoide desaparecera. O primeiro amor não correspondido. Desde então, aprendeu a cair de modo mais suave. Minava o seu esquema a emotividade dessas quedas insuspeitadas, sempre bruscas, fintando o seu bom senso. Os anos e as desilusões haviam-lhe desfeito as rótulas. Nunca nos livros escolares ou folhetos dos centros de saúde lera advertências ou curas para o seu mal. Tivera de improvisar toda uma teoria e pragmática para este seu caso. Tomara-lhe tempo em demasia, que ia retirando às matérias mundanas e aos assuntos que enchiam a boca da vizinhança. Nem quando lhe diagnosticaram fragilidade crónica das rótulas pestanejara. Uma vida pontilhada de quedas amortecidas pelos joelhos herdados da sua tia-avó Estrelinha. Caía sempre de forma pia, de joelhos.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

"The brains of rejected lovers showed activation in different parts of the reward system (...) that light up when a person is involved in a high-risk investment or, perhaps more important, during cocaine craving."

The Naked Brain, Richard Restak

terça-feira, 9 de setembro de 2008

«As I backed away from the page, I began to question the words. My heart is a broke machine? What does that even mean? Is that true? Am I even talking about myself? My heart, in terms of its ability to love, is not broken. And that's when I concluded that having a broken heart is not reserved for failed romance. A broken heart means there is a lack in its capacity for fullness. Any sorrow, fear, doubt, or quiver reveals some undoing in the robustness of the machine. And now, that, surely describes my heart.»

Terami Hirsch

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Não vejo diferença nenhuma entre mim e as minhas tias, parece que se paga caro a arrogância…

Sempre desdenhei aqueles momentos em que uma delas se calava atrás de um homem qualquer que vociferava iracundo à mesa de uma reunião agradável de família alguma barbaridade que nos estraga a noite e deixava a todos com a cara à banda ou com sorriso de caso. Sempre detestei assistir a essas cenas

E aqui estou eu na mesma situação…pedindo desculpas com os olhos aos meus interlocutores…ao meu irmão, que bem disposto se ri do outro lado…senti alguma pena de mim, por estar ali, com aquele ar pingão e com um sorriso entre o amarelo e o puído…

De não poder controlar a situação de não poder pedir-lhe que por mim ignorasse por uma vez…tantas idiotices dizemos em catadupa. Esquecer, não levar a peito, aceitar. simplesmente aceitar. Não me considero a pessoa mais tolerante do mundo, mas há coisas que consigo sublimar. Parece que estou a ver o ar triste do João a dizer que foi alvo de xenofobia em Paris e na Áustria. Aqueles olhos lacrimosos e peito de passarinho que tanto me assustavam pela sua fragilidade, que me faziam sentir em casa e à vontade para revelar as minhas fraquezas e medos. Aquela tristeza por sentir que não lhe compreendiam a sensibilidade, como o magoavam. Nunca esqueci. E agora, a raiva, a cólera, a quase loucura e olhar sanguinário…conheço de vista estes sentimentos. Já os cumprimentei, sem dúvida, mas deram-me tamanha azia que depressa lhes larguei a mão, e só esporadicamente lhes dirijo um aceno de cabeça. Mais uma vez com frio. Os anos passam, mas sempre o mesmo frio quando as coisas aquecem. O queixo contraído, a pele baça e o frio, raio de frio.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

The smell of wine is taking me back
Into a deserted library made of air
But somehow I can still remember
That it's always morning somewhere

terça-feira, 26 de agosto de 2008

He's there, on the other side of the mirror,
And everything's happening at the same time.

But I'm not happening,
I'm just standing here,
Nothing really going on with me.

I don't miss you
But I miss the circumstances
And I don't miss you either
But I miss significance
The times when we knew
We were making history

Our skin would starve and melt
Under the heavy weight of secrets but
Somehow
The things so painful I could not name them
Became the wave we came to dwell in

Somehow
The things so painful I could not name them
Were just a bridge you took from me
'Cause it was in you

Then winter came

Now you're gone
I can't say any words
And there's nothing left but a barricade

domingo, 24 de agosto de 2008

Tu não entendes os meus condicionalismos porque fui eu que os criei, e eu não entendo os teus porque foste tu que os criaste, mas se não fizermos um esforço para entendermos então mais vale voltarmos todos para as cavernas. Não nos serve de nada aperaltarmo-nos todas e sentarmo-nos aos sábados à noite a beber um copo de vinho se tudo aquilo de que precisamos é das nossas mocas, dos nossos ossos e das nossas fogueiras.

domingo, 3 de agosto de 2008

Passam poucos minutos das nove, neste momento metade do país continua em alerta por causa da tempestade que se abateu há pouco mais de uma hora, com especial intensidade na zona do litoral centro. A Protecção Civil aconselha a população a não sair de casa e caso tenha de o fazer…

Só ouvia o som dos seus próprios passos, em corrida, o som que o perseguia. Dos seus passos e da sua respiração, arquejante, como se a garganta fosse uma rampa feita de papel mastigado. Mais uma esquina, um beco sem saída, e sabia onde estava. Parou, dobrando-se sobre si próprio, costas contra a superfície molhada e rugosa de uma casa, de uma parede, de um muro, talvez, mãos apoiadas nos joelhos, tentando abstrair o mundo do som da sua respiração. Nunca tinha tido tanta consciência da escuridão que a noite representava. Todas as ruas estavam às escuras, e as mais estreitas assumiam um semblante particularmente sinistro. De pouco em pouco, as rajadas de vento deixavam entrever através do véu da neblina lampejos fracturados da lua, mas isso não contribuía para aplacar o seu ritmo cardíaco, pelo contrário, era como se tivesse um par de olhos, o temível par de olhos, a observá-lo. Endireitou-se, mais silencioso, mas a sensação de serenidade, de calma após a tempestade, durou pouco. Nas suas calças, ambas as mãos tinham deixado a sua impressão, inconfundível, indelével, a sangue. Acometido por um novo assomo de pânico e adrenalina, escondeu as mãos na camisola, tentou a todo o custo desfazer-se daquela visão, daquela memória inconfessável, limpou, esfregou, mas quanto mais o fazia mais multiplicava o padrão, como se em meras pinceladas ao acaso tentasse recriar uma obra de arte abstracta. Respirando pela boca, sentindo o peso da lua sobre o seu ombro esquerdo agora que se virara de lado, o frio e a humidade do muro contra o suor do rosto, recomeçou a avançar, agora sem correr, mais cautelosa, mais silenciosamente.

terça-feira, 29 de julho de 2008

passa por mim
com tinta e carvão
no algodão que nos cobre
ao nos descobrirmos
tu e eu

passa por mim
com palavras cantadas
pelos teus dedos
nos dias em que o veludo
é tudo
o que não tenho

passa por mim
mesmo que venhas
só de passagem
mesmo com a tua plumagem
escarlate e as penas
que deixas cair
por toda a parte

sábado, 26 de julho de 2008

Porque tu [Cupido] és um puto, e só gostas de brincar; brinca, à vontade! (…) Faz com que um amante ora lance piropos, ora arremesse insultos a uma porta que persiste em permanecer fechada, para acabar por levar a tampa, cantando tristes melodias.

O meu objectivo é utilitário: pretendo extinguir as chamas e que a alma não seja mais escrava da sua droga.

Enquanto é tempo e a angústia que agita o coração é moderada, e se já nos começamos a lamentar, é altura de arrepiar o caminho. Abafar, enquanto são recentes, os germes nocivos de um mal inesperado.

De que natureza é esse objectivo que desejas tanto? – inspecciona-o com um espírito vivo; se é um jugo destinado a magoar-te, não lhe ofereças o pescoço.

O amor está constantemente a fornecer pretextos e alimenta-se dos nossos atrasos; o dia mais adequado para acabar com tudo, é também o que está mais próximo.

Ovídio, Remedia Amoris

domingo, 20 de julho de 2008

a ervilha que eu temo
és tu quem a sente?
se eu assinto a escalada
dessa pilha aclamada
de colchões.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Do you not know that women's religion is in their vulvas?

The Perfumed Garden

terça-feira, 1 de julho de 2008

Sentou-se em frente da sua maçã pulverizada de pesticidas e bojuda o suficiente para que o senso comum lhe dissesse que uma dentada saberia a séc. XXI. Pegou nela sem interesse, rodou-a entre os dedos. Fixou os matizes da sua cor rosácea. Encostou o nariz à pele dura e lisa. Inalou com vigor, nenhum cheiro se desprendeu. Voltou a inalar na certeza de encontrar um resquício, nem que fosse das mãos que a haviam manuseado. Desanimada, largou-a . Não possuía o famoso nez dos perfumistas. Quase instantaneamente ,uma dorzinha subiu-lhe pela traqueia, vibrou-lhe nas cordas vocais, num gemido pouco consistente e saltou-lhe da boca para a mão. Olhou para a sua forma de prisma perfeito. Vinha cheia de arestas. Arestas refulgentes. Pigarreou. Doía-lhe a garganta. Uma lágrima escorreu aventureira sobre a pele magoada. Caiu sobre a maçã. Ainda segurando o prisma opaco, avançou para as gavetas que se amontoavam a um canto. De uma delas retirou uma etiqueta branca, rectangular, corriqueira. Escreveu “dor n.º 37”. Colocou o prisma num frasco e colou-lhe na tampa a etiqueta. Alinhou o frasco com os outros. De entre muitas esta era a mais dura, a com mais arestas, a mais opaca. Formara-se lentamente dentro de si. Quase tinha pena de se ter desprendido dela. Habituara-se àquela dor constante que entre as 20h e as 21h se acentuava, com picos de variação. Mas sabia que caso a afeição não fosse quebrada o seu destino seria uma morte lenta. O prisma cresceria e multiplicaria as suas arestas ocupando os espaços entre os órgãos. Furaria primeiro o intestino, depois o baço, o fígado, o coração, os pulmões seriam os últimos. Até a sua respiração se transformar numa pieira atormentada. Sufocaria de dor. Sabia, porque já havia lido nas posologias dos fármacos para o sofrimento, que os olhos assistiriam a tudo. Rebolariam nas órbitas, vária vezes, num ritual de satélite e perderiam a luz a cada pestanejar. Afagou com os olhos o frasco de compota que lhe guardava a dor. A sua dor que resultava do procurar em corpos a substância de almas. Sentou-se na cadeira mais baixa da divisão. Gostava de olhar, ali de baixo, de muito perto do chão, as suas dores, lá no alto, perto do tecto branco. Os frascos pareciam dissolver-se, fundir-se uns nos outros e avançar sobre si. Estremeceu de antecipação. Reviver todas as dores a um só tempo. Imaginou os frascos partirem-se sobre a sua cabeça, numa carícia sofrida. Assim seria certo que a sua produção incansável de dores terminaria. Acabar-se-íam os frascos. E não mais teria de os coleccionar. Essa obrigação para sempre finda. A libertação que isso traria...esticou o braço até quase cederem as suas juntas e pegou na maçã. Fez pontaria ao último frasco. À mais fresca dor. Ao maior tormento. Lançou a maçã num arco perfeito. O ritmo do seu coração abrandou. O fruto bateu na prateleira, fê-la estremecer. Os frascos entrechocaram-se num tinir de coro suplicante. O nº 37 abeirou-se do seu fim. Saltou da sua contemplação. E num gesto de mão medrosa, empurrou-o para o seu lugar. Os seus lábios moldaram-se com amargura. Como havia ousado pensar que seria assim tão fácil partir uma dor. Que ingénua. As dores são inquebrantáveis. E devem ser coleccionadas.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

O vento do oriente é diferente. É outra matéria este vento. Não arrasta consigo melancolias e detritos humanos, antes os congela num tempo de relógio, nas falanges dos dedos que engrossam.
Aqui flutuou entre realidades, entre falsos rios e luz dourada. Aqui viu o único sol que se pode olhar de frente, reflectido em vigas de metal, refulgente e passageiro. Porque no oriente a ilusão é matéria. Foi no oriente que escorregou nas pedras polidas e caiu sobre o coração. Em que viu a mala atropelada por pneus negros e contemplou um céu terroro. Foi aí que a cara se contorceu de assombro. Os sapatos voam. Perdeu os lábios no acidente. O alcatrão escureceu-lhe a pele e a capacidade de chorar. Os sapatos sempre voam. Vassouras indiferentes juntaram-lhe os pedaços. Foi novamente colada, mas agora percorre o oriente a medo, porque afinal os sapatos voam.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

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Though such sensory blindness is often rather welcome […], it is worth pointing out that feeling things (which usually means feeling them painfully) is at some level linked to the acquisition of knowledge.

The finest thing about betrayal and jealousy – its ability to generate the intellectual motivation necessary to investigate the hidden sides of others.

Only that which bears the imprint of our choice, our taste, our uncertainty, our desire and our weakness can be beautiful.

Our vanity, our passions, our spirit of imitation, our abstract intelligence, our habits have long been at work, and it is the task of art to undo this work of theirs [...].

Because the rhythm of a conversation makes no allowance for dead periods, because the presence of others calls for continuous responses, we are left to regret the inanity of what we say, and the missed opportunity of what we do not.

The happiness which may emerge from taking a second look is central to Proust’s therapeutic conception, it reveals the extent to which our dissatisfactions may be the result of failing to look properly at our lives rather than the result of anything deficient about them.

[…] blame memory rather than what is remembered.

The limits to eternity didn’t lie specifically with love. They lay in the general difficulty of maintaining an appreciative relationship with anything or anyone that was always around.

A picture’s beauty does not depend on the things portrayed in it.

How Proust Can Change Your Life
Alain de Botton

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Levantou-se um pouco antes do nascer do sol e foi cavalgar, como fazia todas as manhãs. Com o fim do Inverno os terrenos da quinta tornavam-se mais acolhedores. As chuvas só caíam à noite e, de manhã, a terra recebia-a com o aroma do renascimento. Pequenos verdes brotavam onde antes havia apenas o branco do gelo. O que morrera ontem, hoje ganhava vida, num ciclo eterno que desde pequena a maravilhava. A Morte não existia, não verdadeiramente, concluiu. Manifestava-se, marcava presença, convencendo tudo e todos que apenas ela era real e inalterável - só para ser destronada pela Vida que regressava, majestosa, meses mais tarde. E era no seio desta dança que todos se moviam pelos dias, acreditando cada um que a sua existência e sobrevivência era o verdadeiro centro de tudo. A verdadeira razão para o movimento ancestral. Cegos.

sábado, 17 de maio de 2008

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Ontem à tarde, enquanto tentava resumir por palavras minhas umas ideias para um texto de contracapa, eis o que escrevi:

«As relações de dependência chamam a morte.»

Any thoughts?

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A: Vou matar-me.

B (opção A): [enquanto vira a página de uma revista] Ok, então vai.

B (opção B): [pousando a revista, levantando-se e dando-lhe uma palmadinha no ombro] Não vais nada, que disparate, vais ver que amanhã isso passa.

B (opção C): [atirando a revista para o chão com violência, levantando-se, pondo as mãos nas ancas e exibindo uma expressão furiosa] Pois, és sempre a mesma merda, "olhem para mim, gosto tanto de sofrer, sou tão coitadinho". E eu? Já pensaste por um segundo como eu me estou a sentir? Aposto que só te pões com essas merdas para me chateares! Só queres é dar-me cabo da vida! Pois eu não gosto de sofrer e muito menos de sofrer pelos outros!

B (opção D): [levantando os olhos da revista mas sem a pousar] Sim, eu no teu lugar também me estaria a sentir assim, entendo perfeitamente.

B (opção E): [pousando a revista] Sim, eu no teu lugar também me estaria a sentir assim. Mas senta-te, acalma-te, por favor, fala comigo e vamos tentar resolver o assunto.

B (opção F): [deixa cair a revista das mãos petrificadas enquanto as lágrimas lhe afloram aos olhos e depois atira-se aos calcanhares de A] Não, não, por favor, não faças isso, não, eu não consigo viver sem ti, porquê? Oh meu Deus, porquê? Não, não, não vais fazer isso!...

B (opção G): [segurando a revista com uma mão enquanto com a outra coça o nariz] Eh pá, se for com arma vê lá se tens cuidado que eu não quero passar o resto do mês a lavar as paredes...

B (opção H): [silêncio total e uma expressão desorientada]

sábado, 10 de maio de 2008

0

Um Inverno frio encontrei o Marco Pólo. Surgiu envolto em sedas vermelhas e aromas de jasmim, queimou a minha roupa com o seu hálito de dragão. Nua, partilhei a sua bolha de gotículas tépidas. Dissolvi-me numa cerejeira e adoptei as tonalidades das rosas de jardim de Inverno. Sempre soube que os dragões voam e que o tempo é inquieto. Embarcou no primeiro navio ancorado no horizonte. Na próxima Primavera, prometeu, beberemos chá. O meu coração de porcelana foi ficando quebradiço. Os meus olhos azuis de mergulhar no oceano. O chá está frio e a porcelana partida.

Hoje não te vi passar. Fiquei como de costume à janela, semioculto pelas persianas, pelo barulho das luzes, dos reflexos fugidios, mas foi um daqueles dias em que não passaste. Desde que te vi por acaso naquela ocasião, há já uns anos (dois?, três?), que ganhei este hábito, movido pela curiosidade, movido pela saudade. Comecei a reparar que passavas pela minha rua frequentemente, frequentemente à mesma hora, e algo que não tem palavras fixou-me o corpo ao parapeito da janela. Tentei descobrir as tuas rotinas, quais os dias exactos em que não te via, mas rapidamente me apercebi que não havia uma lógica para a tua vida, ou que, se a havia, tentavas fugir dela. Essa falta de arrumação, essa entropia, abria caminho para a minha imaginação. Que outras estradas tomarias nos dias em que não passavas em frente a minha casa? Que outros rumos, que outras metas, te guiavam cegamente, inconscientemente, alheia a tudo o que deixaste para trás? Passou já tanto tempo e podias perguntar-me porque nunca te abordei se sempre te via, mas não. Não o poderia fazer. E se descobrisse que não te tinhas tornado o que eu queria para ti?
(15-02-08)

sibyl

We will be, my dear,
as we were, once again
to walk the walk we stopped
mid the Grey and Mundane

I will join you in emptiness
as we sail under stars
we can question the Universe
- it won't seem very far.

Let us breed an Orchestra
to light a world lost in Shade
(you will sing them to sleep
with the words in my tales)

How I feel, my dear!,
through your mist and my pain
And forever we will run
in each other's veins.