quinta-feira, 22 de maio de 2008

Levantou-se um pouco antes do nascer do sol e foi cavalgar, como fazia todas as manhãs. Com o fim do Inverno os terrenos da quinta tornavam-se mais acolhedores. As chuvas só caíam à noite e, de manhã, a terra recebia-a com o aroma do renascimento. Pequenos verdes brotavam onde antes havia apenas o branco do gelo. O que morrera ontem, hoje ganhava vida, num ciclo eterno que desde pequena a maravilhava. A Morte não existia, não verdadeiramente, concluiu. Manifestava-se, marcava presença, convencendo tudo e todos que apenas ela era real e inalterável - só para ser destronada pela Vida que regressava, majestosa, meses mais tarde. E era no seio desta dança que todos se moviam pelos dias, acreditando cada um que a sua existência e sobrevivência era o verdadeiro centro de tudo. A verdadeira razão para o movimento ancestral. Cegos.

sábado, 17 de maio de 2008

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Ontem à tarde, enquanto tentava resumir por palavras minhas umas ideias para um texto de contracapa, eis o que escrevi:

«As relações de dependência chamam a morte.»

Any thoughts?

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A: Vou matar-me.

B (opção A): [enquanto vira a página de uma revista] Ok, então vai.

B (opção B): [pousando a revista, levantando-se e dando-lhe uma palmadinha no ombro] Não vais nada, que disparate, vais ver que amanhã isso passa.

B (opção C): [atirando a revista para o chão com violência, levantando-se, pondo as mãos nas ancas e exibindo uma expressão furiosa] Pois, és sempre a mesma merda, "olhem para mim, gosto tanto de sofrer, sou tão coitadinho". E eu? Já pensaste por um segundo como eu me estou a sentir? Aposto que só te pões com essas merdas para me chateares! Só queres é dar-me cabo da vida! Pois eu não gosto de sofrer e muito menos de sofrer pelos outros!

B (opção D): [levantando os olhos da revista mas sem a pousar] Sim, eu no teu lugar também me estaria a sentir assim, entendo perfeitamente.

B (opção E): [pousando a revista] Sim, eu no teu lugar também me estaria a sentir assim. Mas senta-te, acalma-te, por favor, fala comigo e vamos tentar resolver o assunto.

B (opção F): [deixa cair a revista das mãos petrificadas enquanto as lágrimas lhe afloram aos olhos e depois atira-se aos calcanhares de A] Não, não, por favor, não faças isso, não, eu não consigo viver sem ti, porquê? Oh meu Deus, porquê? Não, não, não vais fazer isso!...

B (opção G): [segurando a revista com uma mão enquanto com a outra coça o nariz] Eh pá, se for com arma vê lá se tens cuidado que eu não quero passar o resto do mês a lavar as paredes...

B (opção H): [silêncio total e uma expressão desorientada]

sábado, 10 de maio de 2008

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Um Inverno frio encontrei o Marco Pólo. Surgiu envolto em sedas vermelhas e aromas de jasmim, queimou a minha roupa com o seu hálito de dragão. Nua, partilhei a sua bolha de gotículas tépidas. Dissolvi-me numa cerejeira e adoptei as tonalidades das rosas de jardim de Inverno. Sempre soube que os dragões voam e que o tempo é inquieto. Embarcou no primeiro navio ancorado no horizonte. Na próxima Primavera, prometeu, beberemos chá. O meu coração de porcelana foi ficando quebradiço. Os meus olhos azuis de mergulhar no oceano. O chá está frio e a porcelana partida.

Hoje não te vi passar. Fiquei como de costume à janela, semioculto pelas persianas, pelo barulho das luzes, dos reflexos fugidios, mas foi um daqueles dias em que não passaste. Desde que te vi por acaso naquela ocasião, há já uns anos (dois?, três?), que ganhei este hábito, movido pela curiosidade, movido pela saudade. Comecei a reparar que passavas pela minha rua frequentemente, frequentemente à mesma hora, e algo que não tem palavras fixou-me o corpo ao parapeito da janela. Tentei descobrir as tuas rotinas, quais os dias exactos em que não te via, mas rapidamente me apercebi que não havia uma lógica para a tua vida, ou que, se a havia, tentavas fugir dela. Essa falta de arrumação, essa entropia, abria caminho para a minha imaginação. Que outras estradas tomarias nos dias em que não passavas em frente a minha casa? Que outros rumos, que outras metas, te guiavam cegamente, inconscientemente, alheia a tudo o que deixaste para trás? Passou já tanto tempo e podias perguntar-me porque nunca te abordei se sempre te via, mas não. Não o poderia fazer. E se descobrisse que não te tinhas tornado o que eu queria para ti?
(15-02-08)

sibyl

We will be, my dear,
as we were, once again
to walk the walk we stopped
mid the Grey and Mundane

I will join you in emptiness
as we sail under stars
we can question the Universe
- it won't seem very far.

Let us breed an Orchestra
to light a world lost in Shade
(you will sing them to sleep
with the words in my tales)

How I feel, my dear!,
through your mist and my pain
And forever we will run
in each other's veins.