sexta-feira, 15 de janeiro de 2010
Hoje acordei sobressaltada com um silvar de gatos assanhados a rasgar os meus tímpanos. Tive de me meter debaixo de um duche de água gelada para acalmar os ânimos. Sendo que o meu corpo é um t0 atravancado, não posso permitir que façam de mim um ringue de zaragatas. Fiquei o dia todo a magicar que tipo de latinhas gourmet poderia oferecer às minhas partes, fiquei indecisa entre: pavo e pollo
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Desconfio que as minhas partes ainda não chegaram a qualquer tipo de acordo. Faltam sempre às reuniões marcadas para uma reconciliação. Começo a ficar enervada com tanto desrespeito
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Já esgotei as caixas de curitas do mini-mercado da rua. Quando estou distraída fico colada ao sofá, às cortinas. No outro dia fui mesmo arrastada uns metros por um casaco esvoaçante de uma adolescente
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Acordei com dores ainda frescas na pele. Os lençóis começam a apresentar linhas confusas de sangue esborratado. Se continuo a rasgar a pele deste modo terei de comprar uma sobresselente. Talvez uma sardenta me assente bem.
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Desde que uma das minhas partes resolveu começar a agir sem a minha permissão por escrito tenho tido problemas. Noites em claro, dores nos ossos, olhos opacos, cabelo murcho. A minha parte cumpridora ficou confusa com a ousadia com que se ignoraram as burocracias. Indignada e levemente amuada. Embarcou numa greve que implica uma descoordenação dos pés, que agora tropeçam em superfícies planas, provocando-me sérios casos de pele lascada.
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Olho para a louça azul da sanita. Ajoelhada entre as pocinhas de água formadas pelo esguichar do chuveiro furado, com a mão esquerda seguro o cabelo e com a direita meto um dedo na boca. O meu corpo sofre uma breve convulsão. Insisto. Nova convulsão. Insisto. Nova réplica. Os joelhos já começam a estalar. E a cara fica mapeada por pequenos vasos vermelhuscos. Os olhos estão cobertos por uma fina película aguada. A tentativa de vomitar o meu eu falhou, pela quinta vez nesta semana. Já começa a saber a derrota, esta inutilidade dos meus dedos.
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Deixo crescer o cabelo para adiar decisões. Porém, o cabelo começa a ficar demasiado longo e a formar nós difíceis de desembaraçar. Vou-me afeiçoando aos nós, e já me custa desfazê-los de forma impiedosa. Vou deixando que se acumulem em diversos pontos da minha cabeça. Quase consigo lembrar-me das datas de cada um deles. Reconheço os novos, acaricio os antigos. Não tenho coragem de pegar numa tesoura fininha, discreta, para não assustar os fios de cabelo, e decepar a confusão que se vai emaranhando na minha melena. A cada nó que não corto, logo outro surge e a tesoura vai diminuindo de tamanho. Relutante e medrosa
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