domingo, 3 de agosto de 2008

Passam poucos minutos das nove, neste momento metade do país continua em alerta por causa da tempestade que se abateu há pouco mais de uma hora, com especial intensidade na zona do litoral centro. A Protecção Civil aconselha a população a não sair de casa e caso tenha de o fazer…

Só ouvia o som dos seus próprios passos, em corrida, o som que o perseguia. Dos seus passos e da sua respiração, arquejante, como se a garganta fosse uma rampa feita de papel mastigado. Mais uma esquina, um beco sem saída, e sabia onde estava. Parou, dobrando-se sobre si próprio, costas contra a superfície molhada e rugosa de uma casa, de uma parede, de um muro, talvez, mãos apoiadas nos joelhos, tentando abstrair o mundo do som da sua respiração. Nunca tinha tido tanta consciência da escuridão que a noite representava. Todas as ruas estavam às escuras, e as mais estreitas assumiam um semblante particularmente sinistro. De pouco em pouco, as rajadas de vento deixavam entrever através do véu da neblina lampejos fracturados da lua, mas isso não contribuía para aplacar o seu ritmo cardíaco, pelo contrário, era como se tivesse um par de olhos, o temível par de olhos, a observá-lo. Endireitou-se, mais silencioso, mas a sensação de serenidade, de calma após a tempestade, durou pouco. Nas suas calças, ambas as mãos tinham deixado a sua impressão, inconfundível, indelével, a sangue. Acometido por um novo assomo de pânico e adrenalina, escondeu as mãos na camisola, tentou a todo o custo desfazer-se daquela visão, daquela memória inconfessável, limpou, esfregou, mas quanto mais o fazia mais multiplicava o padrão, como se em meras pinceladas ao acaso tentasse recriar uma obra de arte abstracta. Respirando pela boca, sentindo o peso da lua sobre o seu ombro esquerdo agora que se virara de lado, o frio e a humidade do muro contra o suor do rosto, recomeçou a avançar, agora sem correr, mais cautelosa, mais silenciosamente.

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