sábado, 31 de janeiro de 2009

os pontos soltos que fui criando
e dispondo por mim
como uma constelação à espera
de ser formada
pequenas luzes dispersas
que me lançaram na queda
por não terem rectas
que me guiassem
encontrei linhas
com laços e nós
desfazendo-se sempre
entre os dedos ansiosos
agora calmos - ainda nus
que apontam os pontos
que julgam estar
por toda a parte

e não te posso querer
só por me ver só

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

O bicho que mais medo suscita dá pelo nome de Espera.

Aqui, hoje, sob uma luz branca de uma cidade imunda, pouso os pés com cuidado, não vá derrapar nos rastos humanos e animais que salpicam as pedras da calçada. Amarro as ideias com cordelinhos coloridos para conseguir uma ordem. Tento terminar nas cores quentes para ir aquecendo ao longo da caminhada. Porém, às vezes, cruza-se tudo a uma velocidade que escapa a radares, e os cordelinhos terminam em solenes nós. Nesses momentos tiros os olhos da calçada e termino estendida entre o lancil e o macadame. Com os pés para o ar e a cabeça em terra.

Sento-me num café comum. Peço uma boémia. Leio umas linhas de um livro. Peço nova boémia. Entorno os olhos sobre as linhas ligeiramente oblíquas. Varro a sala com os pensamentos. Nada de novo, nada de registável. Trivialidades sensaboronas. Levanto-me, empoleirando-me sobre as pernas inseguras e dirijo-me à caixa. Quando tiro a nota da carteira vejo-me reflectida no espelho. Quase não me distingo os contornos. Fixo os objectos que me ladeiam na imagem à minha frente. Todos mantêm a substância e dureza. Só eu me esbato entre as garrafas de martini e porto. Olho a menina que me devolve o troco. Não comenta nada, nem levanta os olhos. Estende apenas a mão para o vazio, para o ponto onde estou paralisada. Deixo-me arrastar pelas botas que levo nos pés e atiro-me para a rua. Encontro a minha direcção por entre a chuva miudinha. A mente já tropeçou várias vezes, mas os pés continuam agarrados à calçada escorregadia. Começo a sentir uma vontade de me largar aos pedaços. De massajar a loucura, de lamber os delírios. Os lábios arrebitam-se nos cantos. Tenho a aparência de uma pessoa feliz. Mas a transparência continua a intensificar-se. Paro em frente de uma montra, encosto de forma desajeitada a cara ao vidro. O odor que me devolve a superfície fria provoca-me uma náusea mal contida. Um cheiro enjoativo de flores frágeis. Passo o nariz pela superfície lisa do braço. Não há dúvida. O odor é meu. Percorro o acervo de informações inúteis guardadas no meu cérebro, tento identificar o cheiro a um nome. A lista é reduzida. Só nomes de flores comuns e sem associações sensoriais, imagens planas de livros escolares. Assim que me afasto da montra levo um empurrão do vento e rebolo com as folhas molhadas. Trinco a língua e espremo uma costela contra uma pedra bicuda. Solto alguns sons por formalidade e tradição e deixo-me ficar ali quieta. Estirada. Passa um transeunte por mim, pisa-me os cabelos de forma indecorosa e não se detém. Minutos passam e nada. Nem me movo nem penso. Uma colmeia de jovens desce a rua. Abrandam no local onde resvalei e caí. Não parecem ter pressa e vão atirando frases uns aos outros. No momento em que me resolvo a pedir uma mãozinha e sacudidela no vestido chega-me uma voz “Não vos cheira a crisântemos?”. Sinto-me elevar com a força dos seus narizes que peneiram o ar. Flutuo a uns palmos do chão. “Talvez”. Voltam-se em batalhão e prosseguem rua abaixo. Volto a poisar na calçada. Fixo as árvores desfocadas e penso, então era isso: Crisântemos.

sábado, 24 de janeiro de 2009

Newton Púlsifer (...) reconhecia que a fé era o cinto de salvação que mantinha a maior parte das pessoas a flutuar através das agitadas águas da Vida. Teria gostado de acreditar num Deus supremo, embora tivesse preferido uma meia hora de conversa com ele, antes de se compromenter, a fim de esclarecer um ou dois pontos. (...)

Bons Augúrios, Neil Gaiman & Terry Pratchett, ed. d'As Masmorras

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

«Quando os dois curiosos se despediram de Sua Excelência, Cândido disse a Martin:
- Ora bem, deveis concordar que este homem é o mais feliz de todos os homens, porque está acima de tudo o que possui.
- Não é bem isso - disse Martin -, mas sim um homem que está aborrecido com o que tem. Platão disse há muito que os melhores estômagos não são os que rejeitam todos os alimentos.
- Mas - disse Cândido - não há prazer em criticar tudo, em reconhecer defeitos onde os outros julgam ver belezas?
- Quer dizer - observou Martin -, em ter prazer em não ter prazer.»

Voltaire, Cândido ou o Optimismo

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

You're asking me questions
'Cause you know what I'll say
But what if I said yes
Would you leave everything behind
Would you fight to make things right?

Would you save yourself from your misery

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

A desconstrução do fígado e apêndices efectua-se a horas certas e inconsequentes. Não parece seguir nenhuma regra ou preceito. Actua em paragens de autocarro, na cama, no primeiro gole de um garoto, a meio de uma palavra. É uma coisinha sem educação e finura. É bruta e brutal e normalmente deixa atrás de si uma confusão de fim de feira. Sacos barulhentos em todos os cantos e uma sensação de melancolia suja

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Respirar ao de leve para que os órgãos inchados não se toquem ao acaso.
Ingerir bebidas quentes para aquecer os espaços vazios e dar cor à pele cinza.
Tomar banho a escaldar para amolecer as arestas.

Cofiou a barba inexistente. Passou, uma vez mais, a mão pelo queixo macio e redondo. Aquela solidão que experimentava nos últimos dias abrira um novo departamento no cérebro.Como um estúdio de música. Isolado, insonorizado, preparado para conter as altas frequências dos seus pensamentos estridentes e histéricos. Começara a assumir a forma de um árbitro de uma partida de ténis, empoleirado numa cadeira afastada do chão. E a ideia de quebrar o som monótono das raquetes parecia impensável. Porque a solidão dá dentadas grandes e arrojadas, tira pedaços como grandes lombos. Os cortes são cirúrgicos, perfeitos. Mas o vazio fica lá e a dor instala-se como um locatário discreto que paga sempre e não ouve música.

domingo, 11 de janeiro de 2009

quero jantar com uma vela que te mostre como te vejo
à luz tímida de uma chama constante
que me chama para o tanto que é o meu todo
ao pé de ti