domingo, 27 de fevereiro de 2011

Duelo

[...]

Empilhou desajeitadamente a roupa sobre os ombros, abriu a porta quase zangada consigo e com os seus pensamentos, atirou tudo para cima do cesto, pousou os sacos no chão… Suspirou com as mãos apoiadas ao balcão da cozinha olhando lá para fora. A chuva continuava a cair ao mesmo ritmo. Que poderia ter para lhe dizer ao fim de todo aquele tempo… quanto tempo?... dois anos?... ao fim de dois anos?... Seria o mesmo que jantar com um estranho ou com um amigo de infância? Onde iria guardar todo o seu ressentimento e toda a sua saudade? Claro, podia limitar-se a contar tudo o que andara a fazer naqueles últimos… dois anos…, mas primeiro teria de descobrir algum interesse nisso. Era perfeitamente benigno e entediante. Ou talvez estivesse enganada. Porque se fora tudo tão desinteressante teriam de se explicar porque não se haviam permitido participar no tédio alheio. E ela teria de lhe explicar que chegara à conclusão de que eles não tinham as mesmas referências de felicidade, e que não gostava menos dele por causa disso mas não fazia sentido passarem mais tempo juntos. E pronto, o primeiro passo em falso. Daí até ao apocalipse… O que é isso, «referências de felicidade»? Daí até lhe estar a atirar que ele sofria de incontinência de vulgaridades, que a intoxicava com as coisas que não tinham nada a ver com ela, que em nada acrescentavam à sua vida e que ele próprio não passava de entulho… [...]



0 Comments:

Post a Comment