domingo, 11 de outubro de 2009
[...]Os dedos dos pés nus encolhiam-se com medo da temperatura do chão, com medo de eventuais obstáculos maciços, com
tanto
medo de se denunciar na sua incapacidade.
- Estás a ir bem – tranquilizou-a, no preciso momento em que o seu joelho embateu sem trégua na esquina incisiva de um móvel.
Baixou-se lentamente. As suas mãos assentaram naquilo que parecia o tampo de uma mesa e ela deixou-as deslizar ao longo da superfície lisa e estéril, dobrando o tronco – num gesto de desistência ou de avidez? –, até que encontrou um objecto frio e redondo –
um copo?
- De certeza que isto não é tudo um equívoco? – e de repente sentiu uma madeixa do seu cabelo revoltear.
- Não sei como podes acreditar em tamanho despautério.
Sorriu. Mas não reconhecia aquele toque no seu cabelo, aquele aroma escorregadio. E as ruínas daquele toque e daquele aroma eram tudo o que tinha. Não se
reconhecia.
- Ainda por cima usas palavras difíceis. Sinto-me impressionada.
Esperou por outro toque fugaz, talvez a respiração no seu pescoço, mas
nada.
Nada que lhe dissesse para onde a seguir. Só aquela muralha indecifrável sob a sua pele e que as suas mãos sonâmbulas não podiam atravessar, só percorrer sem sair do mesmo sítio.[...]
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