quarta-feira, 29 de outubro de 2008
Continuava a nevar. Não se lembrava sequer da última vez que tivera uma trégua, uma pausa para respirar. Já há muito que pouco via das janelas e a espessura da muralha que se começava a formar lá fora em breve faria com que deixasse de sentir os pequenos tremores debaixo dos seus pés, as subtis vibrações do tempo que passava e passava.
O tempo que passava e passava, repetiu ela com um sarcasmo que deixara de lhe ser característico. Podia ainda contabilizar os dias, as semanas, os meses… os anos que se acumulavam no parapeito da janela, onde outrora costumava pousar os braços? Sem ter onde os pousar por mais que continuasse a olhar em volta, sem ter a que mais dar ouvidos agora que o silêncio lhe levara a voz como uma onda, com que mais se desiludir agora que deixarara de caminhar, agarrou subitamente no casaco, no cachecol, no gorro e nas luvas e correu lá para fora.
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quarta-feira, 8 de outubro de 2008
- Acho que me fazes sentir…
… ligeiramente inebriada.
Noventa segundos. Noventa segundos era o tempo que ia deixar que o cérebro lhe inundasse o corpo com aquela trepidação suave e tépida por debaixo da pele. Noventa segundos. Depois endireitar-se-ia, sorriria não sem um leve e translúcido comprometimento e diria, colando a palma da sua mão à dele:
- Sou demasiado pequena para ti.
Escorregar-te-ia por entre os dedos.
…
Como os grãos de açúcar que tiveste esperança de virem a tornar-me mais doce.
Mas por enquanto não havia como não se render a cada pulsar de energia compulsiva, a cada reacção, substância química que fluía e se diluía em si, como um todo, como um salteador chegando pela primeira vez a um território incógnito - mapeando cada canto, cada linha do horizonte, cada beco sem saída.
Apesar de as ideias andarem inauditas, inéditas, vagueando pela sua mente, como uma dança
- Sabes que um dia vou sair por aquela porta
e nunca mais voltar, não sabes?,
sabia que ainda não tinha chegado a altura de as dominar, de fazer com elas aquilo que tinha de ser feito. Noventa segundos. Noventa segundos e aí podia escolher, podia escolher se queria continuar a sentir-se assim, naquela entrega total às suas marés, ou se ergueria a barragem.
- Podes dizer-me agora
tudo aquilo que vou ter de esquecer. [...]
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