quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Sento-me num café comum. Peço uma boémia. Leio umas linhas de um livro. Peço nova boémia. Entorno os olhos sobre as linhas ligeiramente oblíquas. Varro a sala com os pensamentos. Nada de novo, nada de registável. Trivialidades sensaboronas. Levanto-me, empoleirando-me sobre as pernas inseguras e dirijo-me à caixa. Quando tiro a nota da carteira vejo-me reflectida no espelho. Quase não me distingo os contornos. Fixo os objectos que me ladeiam na imagem à minha frente. Todos mantêm a substância e dureza. Só eu me esbato entre as garrafas de martini e porto. Olho a menina que me devolve o troco. Não comenta nada, nem levanta os olhos. Estende apenas a mão para o vazio, para o ponto onde estou paralisada. Deixo-me arrastar pelas botas que levo nos pés e atiro-me para a rua. Encontro a minha direcção por entre a chuva miudinha. A mente já tropeçou várias vezes, mas os pés continuam agarrados à calçada escorregadia. Começo a sentir uma vontade de me largar aos pedaços. De massajar a loucura, de lamber os delírios. Os lábios arrebitam-se nos cantos. Tenho a aparência de uma pessoa feliz. Mas a transparência continua a intensificar-se. Paro em frente de uma montra, encosto de forma desajeitada a cara ao vidro. O odor que me devolve a superfície fria provoca-me uma náusea mal contida. Um cheiro enjoativo de flores frágeis. Passo o nariz pela superfície lisa do braço. Não há dúvida. O odor é meu. Percorro o acervo de informações inúteis guardadas no meu cérebro, tento identificar o cheiro a um nome. A lista é reduzida. Só nomes de flores comuns e sem associações sensoriais, imagens planas de livros escolares. Assim que me afasto da montra levo um empurrão do vento e rebolo com as folhas molhadas. Trinco a língua e espremo uma costela contra uma pedra bicuda. Solto alguns sons por formalidade e tradição e deixo-me ficar ali quieta. Estirada. Passa um transeunte por mim, pisa-me os cabelos de forma indecorosa e não se detém. Minutos passam e nada. Nem me movo nem penso. Uma colmeia de jovens desce a rua. Abrandam no local onde resvalei e caí. Não parecem ter pressa e vão atirando frases uns aos outros. No momento em que me resolvo a pedir uma mãozinha e sacudidela no vestido chega-me uma voz “Não vos cheira a crisântemos?”. Sinto-me elevar com a força dos seus narizes que peneiram o ar. Flutuo a uns palmos do chão. “Talvez”. Voltam-se em batalhão e prosseguem rua abaixo. Volto a poisar na calçada. Fixo as árvores desfocadas e penso, então era isso: Crisântemos.

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